sábado, 10 de novembro de 2007

Jonal A Tribuna

Lex Orandi

O Concílio Vaticano II, realizado em Roma entre 1962 e 1965, teve por finalidade o aggiornamento (atualização) pastoral da Igreja, conforme o desejo do papa João XXIII, que convocou representantes do episcopado mundial e seus peritos para aquele histórico evento.

Os padres conciliares resolveram aprovar o primeiro documento em 1963, a Constituição Apostólica Sacrosanctum Concilium. Nela estavam orientações básicas da necessidade de uma revisão do serviço religioso, porém com a manutenção de certos princípios perenes. Posteriores documentos pontifícios, emanados dos competentes dicastérios da cúria romana, trataram de complementar a aplicação da Sacrosanctum Concilium.

Atendendo ao desejo do movimento litúrgico, anterior ao Vaticano II, mas que nele encontrou o seu espaço de ação concreta, começou a tão desejada reforma litúrgica, que atingiu em particular o rito romano (um dos mais de 20 tipos de liturgias que a Igreja possui); assim, em 1970 veio a lume no orbe católico o novo Ordo Missae. A participação plena, consciente e frutuosa deveria nortear o novo rito da celebração eucarística, fruto do esforço dos que desejavam há muito atingir tal intento.

Inicialmente em torno do novo rito da missa, promulgado por Paulo VI, surgiram grandes expectativas, mas, no decorrer de seu uso, certas instrumentalizações e ``experiências'' litúrgicas acabaram por causar mal-estar em muitos ambientes. Alguns membros do clero e leigos não aceitaram bem certas mudanças ocorridas e, por diversos motivos, preferiram manter-se apegados à missa tradicional, como um sinal externo de outras razões mais profundas. Certo grupo, apegado ao uso do antigo Missal Tridentino (promulgado no Concílio de Trento em 1570 por S. Pio X e reformulado pela última vez por João XXIII em 1962), chegou até a separar-se da Sé Apostólica em 1988, em nome da manutenção da tradição. Felizmente a situação vem sendo sanada aos poucos pela Santa Sé; vale lembrar o esforço feito para a criação da Fraternidade de S. Pedro (1988), a ereção da Administração Apostólica S. João Maria Vianey (2002) e a aprovação ``ad experimentum'' do Instituto Bom Pastor (2006), sendo que os dois últimos encontram-se em ativa atuação na Arquidiocese de S. Paulo e noutros locais do Brasil.

O papa Bento XVI, sensível à situação de fiéis dotados de formação peculiar e desejosos de uma espiritualidade mais profunda, no dia 7 de junho de 2007 concedeu, através do Motu Próprio Data Summorum Pontificum, a liberação plena do uso do Missal Romano antigo (Tridentino) segundo a última versão publicada em 1962, para qualquer sacerdote católico que queira celebrar no rito romano na agora denominada ``forma extraordinária'' da celebração eucarística, que tem como características o uso exclusivo do latim e a posição do celebrante ``ad orientem'' / ``versus altare'' conduzindo os fiéis para Deus. Vale ressaltar que nunca a Santa Sé formalmente proibiu a celebração da missa tridentina, pois jamais foi ab-rogado juridicamente o missal antigo.

Não há nenhum impedimento legal para que também a missa ``nova'' ou de Paulo VI (1970), atual forma ordinária do rito romano, seja celebrada em latim, embora se recomende que as lições sejam proclamadas preferencialmente em vernáculo. A Igreja concedeu por motivos pastorais um maior uso da língua vulgar (idiomas locais) não a exclusão do latim.

O latim, base de grande parte da comunicação oral e escrita do Ocidente, sofreu um processo de estacionamento, mantendo-se estrutu- ralmente estável. Ele conti- nua a ser fundamental para a manutenção de termos lingüísticos no Direito, na Medicina e em outras ciências.

O Romano Pontífice lembra aos bispos, em uma carta anexa que acompanha o Motu Próprio sobre o uso da liturgia romana anterior à reforma litúrgica de 1970, que não há ``...temor de que... o uso do Missal de 1962 levasse a desordens ou divisões nas comunidades...''. O papa é mais categórico ainda ao afirmar que ``o uso do Missal antigo pressupõe um certo grau de formação litúrgica e conhecimento da língua latina; quer uma, quer outra não é freqüente encontra-las''.

O teólogo Ratzinger (Bento XVI) surpreende na carta aos bispos ao dizer: ``...as duas formas do rito romano podem enriquecer-se mutuamente... E, na celebração da missa segundo o Missal de Paulo VI, poder-se-á manifestar, de maneira mais intensa do que fre- qüentemente tem acontecido até agora (grifo nosso) aquela sacralidade que atrai muitos para o uso antigo'', e lembra ainda ``a garantia segura que há de o Missal de Paulo VI poder unir as comunidades e ser amado por elas é celebrar com grande reverência (grifo nos- so) em conformidade com as rubricas'' .

Bento XVI enfatiza: ``...Aquilo que para gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado... faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da igreja, dando-lhes o justo lugar''. Lex orandi, lex credendi.

TAVARES JR. Historiador, pesquisador da História Eclesiástica, responsável pelo Centro de Memória do Ensino Profissional e docente do Centro Paula Souza/Unesp e SEE/SP. Segunda-feira 29 outubro de 2007

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